terça-feira, 17 de agosto de 2010

No desjejum

Hoje, mamy e eu tomámos café em nosso jardim de inverno localizado a leste da propriedade, às 4:00h da manhã.

O aroma dos grãos importados da Malásia e torrados ao norte do Canadá empestiava todo o ambiente.

Nosso civeta, vindo do sul da Indonésia, já estava exausto de tanto cagar o Kopi Luwak.

Esperávamos ansiosos que os serviçais terminassem o cansativo processo de decantação para que pudéssemos, enfim, iniciar as atividades gustativas.

Eram poucos, apenas sessenta, não havia necessidade, em razão do cerimonial ser tão informal, que todos se levantassem antes da alvorada, como fazem sempre no verão.

Ela trajava um casaco de pele de morsas albinas do norte de Teerã. Eu, meu robe de tecido com seda das lagartas virgens do sul do Paquistão.

Enquanto bebericávamos nosso desjejum, ela comentava sobre uma nova dor que florescia pelo seu flanco esquerdo e subia até suas costelas flutuantes.

Entre um gemido e outro pude entender que se tratava de uma nova aquisição que duraria pelo menos toda a primavera.

Finalmente, após duas horas agradáveis divagando enebriado pelo ópio do cansaço, pude colocar minha velha carcaça no meu leito Luiz XVI. Sem mais, conchilei.

(Autor: José Marin Neves)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SEI - (Poema)


Sei
Tem muito que dizer
Tem muito que mostrar
Tem muito que fazer
Você acreditar
Você me perceber
Você se entregar
E nunca mais pensar
Que aquilo se perdeu
Que só você e eu
Havia de existir
Um outro ir e vir

Sei
Que muito se enganou
Que até falou de amor
Mas era uma outra dor
E tudo que se foi
Virou-se pra nós dois
E não se acreditou
No filme que mostrou
Que a Terra até parou
Pra ver você e eu
Mas tinha um outro adeus
Não foi nem seu nem meu

Sei
Quase tudo sempre
Que incomoda a gente
Tão indiferente
Quase que não sente
Outro mar distante
Quase num instante
Um troféu na estante
Um coração exangue
Na sensação que insiste
Noutra viagem triste
O "ser feliz" é chiste.

domingo, 15 de agosto de 2010

Em que acredito?

Vou dizer no que acredito. Porque em que não acredito é muito fácil: simplesmente não acredito em quase nada do que está à minha vista. São sombras projetadas na "caverna de Platão". São engodos preparados, consciente ou inconscientemente. Emboscadas.

Mas, no que acredito, isso é o que me faz garantir que esperarei - ou não - a abreviação da vida pelo Deus (que eu acredito e não o das religiões auto-contraditórias).
Acredito em um Deus gerador e fonte de todas as forças da natureza. Mas que nem pune, nem beneficia. Apenas cumpre o papel que a Si se deu, o de manter o equilíbrio universal. Por isso, a crença na reencarnação, porque as venturas e desventuras dessa vida seriam das coisas mais injustas se fossem apenas casuais.
Sartre, que acreditava na existência de um Deus, morreu ateu por não aceitar as iniquidades pelo planeta. Eu não chegaria a tanto. Porque se Deus realizasse todos os desejos, cada um teria que viver em seu próprio planeta. Os desejos humanos, em essência, são inconfessáveis porque o são aterradores.

Acredito no poder da inteligência. Todavia, inteligência não é acúmulo de informações técnicas, mas a capacidade de aproveitar dos conhecimentos pré-existentes para formular novos e salutares pontos de convergência para a paz universal. A mesquinhez da raça humana, infelizmente, permite pouco avanço nessa área - a da solidariedade.

Acredito que o ser humano é mal por natureza e essência e está nesse mundo para conter seus desejos mórbidos e aprender algo sobre a mútua conservação e a convivência pacífica. (Não acredito que esteja conseguindo...)

Acredito em mim e nas verdades que eu garimpo por aí. Às vezes sou levado a aperfeiçoar minhas verdades, a alterar seus rumos, isso é bem certo, mas quando sólidos e concretos fundamentos e novos argumentos sejam capazes de me impelir a horizontes ainda não explorados.

Acredito que a felicidade, essa sim não existe em nenhuma das formas que a dão; e ser feliz é iludir-se para não desacreditar totalmente na própria vida e seu juízo. A felicidade é a grande ilusão da vida, tão mentirosa e tão necessária, que sem ela o planeta já se acharia em completo abandono da raça humana. Ser feliz é enganar-se para preencher o nada de cada dia quotidiano. É criar histórias para si mesmo e se tornar nelas o protagonista de qualquer coisa. Não digo que não se deva iludir-se desta maneira; apenas reforço que é a minha constatação acerca do termo.

Enfim, acredito que o melhor remédio contra a insanidade total é qualquer tipo de ocupação que se proponha. A frase não é minha, mas de Orson Welles, e é tão verdadeira que é a causa real das inconsequências cometidas por membros da abastada classe dos mais favorecidos, por absoluta falta de coisa melhor para fazer.

Acredito em mim... mas só às vezes. Porque todos enganam e se enganam o tempo todo. Seja fruto de uma deliberação em engabelar, seja por falta de jeito para se mostrar de verdade e reconhecer-se em defeitos e sombras 'junguianas'.

Para finalizar, acredito que nada exista de concreto e que tudo é forjado à sua maneira, para sentir-se mais adequado à própria lei universal da existência material. O comodismo humano que se ajusta até mesmo às situações mais insalubres e desconfortantes apenas para não ter que se mexer; e se mexe apenas quando a sobrevivência está em jogo.